Babylon Berlin: um Noir na Alemanha pré-nazista

Nos últimos anos passamos por um boom de séries. Muitas delas, diga-se de passagem, são repetitivas e sem graça, como a cópia de uma cópia. Outras, entretanto, são ótimas e contam com uma produção - do roteiro ao figurino - impecável. Os EUA são o grande centro produtor desse tipo de formato, mas não são os únicos nem os melhores. Produções de países asiáticos, europeus e latinos são igualmente competentes e, geralmente, compensam o baixo orçamento com uma preocupação mais focada na qualidade. Os resultados, por vezes, são tramas sofisticadas, pouco convencionais e que privilegiam a arte no lugar no entretenimento fácil.

A série que escolhi, uma história policial com ares de film noir, foge dos padrões, tanto pela história quanto pela origem: Babylon Berlim é uma produção alemã. A produção é baseada nos romances do escritor Volker Kustscher e se passa em Berlim, capital da Alemanha, conhecida neste período como a República de Weimar.

A trama se inicia no ano de 1929, meses antes da Quebra da Bolsa de Nova York. Portanto, antes do colapso econômico que devastaria a Alemanha e seria uma das causas da ascensão nazista. Os protagonistas da história são o detetive da polícia chamado Gereon Rath, um veterano da Primeira Guerra Mundial (1914-18), foi transferido de Colônia para Berlim na primeira temporada, e a jovem Charlotte Ritter, moradora de um cortiço, prostituta ocasional e aspirante a posto de primeira policial da divisão de homicídios - tarefa monumental para uma mulher nos anos 20 do século passado. Os seus caminhos se cruzam, colidem e se unem em torno de uma trama que envolve corrupção, polarização política, máfia e o submundo do crime de uma cidade pulsante. 

Eu diria que o terceiro grande protagonista é a cidade de Berlim. Uma das maiores capitais europeias da época, ela é mostrada em todo o seu esplendor, um misto de beleza, modernidade e frenesi da decadência. Essa ambiguidade é explorada de forma magistral: as praças organizadas e harmônicas; o metrô e o sistema de transporte eficiente; o luxo e a sofisticação cultural das casas noturnas e dos teatros; esses elementos convivem com a degradação e a miséria dos cortiços, habitados por um exército de miseráveis que fazem de tudo para sobreviver a mais um dia. Pairando sobre  esse mesmo espaço, a agitação política promete esfacelar a república nos próximos anos: o movimento comunista e o movimento nazista.

O rigor histórico da trama, da moda aos detalhes da política da época, é um grande trunfo da série, pois mistura, com energia e criatividade, o clima evocado pelo expressionismo alemão - não uma cópia fiel, mas uma inspiração -, o desespero típico de fim de era e um terrível mal-estar social do pós-guerra. Entretanto,  não espere muita previdência dos personagens, afinal de contas, eles estão tão confusos quanto a maioria das pessoas deveria estar naquela época. Este, aliás, é outro ponto positivo da história, o seu realismo. Ela não faz julgamentos, não dá aos personagens ares de videntes, ao contrário, ela apenas narra o apocalipse. Como todos os humanos, os personagens não conseguem antever a força da tempestade, menos ainda os estragos por vir. Eles sentem, sim, a atmosférica elétrica. A ironia dramática pesa na cabeça dos espectadores, estes sim, reféns do conhecimento histórico.

A corrupção política e das instituições, a prostituição e o sexo desvairado, as drogas, a máfia e o comércio de armas, as mágoas e ressentimentos por causa da derrota na Grande Guerra estão lá também. Berlim era um barril de pólvora! A série  não é um tipo de manifesto político-social. Entretanto, é impossível não notar as semelhanças com a atualidade. Na série, o pano de fundo serve à trama, que em nada perde para as grandes histórias do romance policial. O clima detetivesco e os elementos de época casam perfeitamente. O resultado é uma obra de arte em grande estilo.

Plataforma: Globo Play

Elenco: Volker Bruch, Liv Lisa Fries

Ano: 2017

Nota: 5/5